Para Wálter Maierovitch, secretário de Políticas Antidrogas da era FHC, facção paulista pode usar 'poder intimidatório' para impactar resultados do pleito de outubro.
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Há décadas estudando a ação de organizações criminosas, o desembargador
aposentado Wálter Maierovitch diz que o fortalecimento da maior facção
brasileira, o Primeiro Comando da Capital (PCC), e o acirramento de
conflitos entre gangues nos Estados podem impactar as eleições deste
ano.
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Em entrevista à BBC Brasil, Maierovitch diz que o PCC ainda não
alcançou o peso econômico de antigos grupos mafiosos italianos ou de
cartéis colombianos e marroquinos. Mas diz que a facção paulista vem
expandido sua atuação e tem força suficiente para influenciar a votação
em outubro.
Segundo o desembargador, há relatos de que o PCC patrocina eventos de
igrejas na periferia de São Paulo. Afirma ainda que facções criminosas
têm interesse em se infiltrar no poder político para costurar acordos
que reduzam a repressão policial em certas áreas. Segundo ele, um acordo
desse tipo já vigora na periferia de São Paulo.
"A polícia não vai à periferia, onde o PCC atua livre, leve e solto. Há uma lei do silêncio na periferia de São Paulo."
Em nota à BBC Brasil, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo
contestou as declarações; leia o posicionamento da pasta ao fim da
entrevista.
A preocupação de que facções influenciem o resultado da eleição deste
ano já foi ecoada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
Gilmar Mendes, e pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência, Sérgio Etchegoyen. Ambos têm dito que o fim da
possibilidade de que empresas façam doações eleitorais abrem espaço para
que o crime organizado financie candidatos por fora.
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Ex-professor de Direito Penal da Universidade Mackenzie (SP),
Maierovitch se aposentou como desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo em 1998 para assumir a então Secretaria Nacional de
Políticas Antidrogas, no governo FHC.
Em 1993, fundou o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências
Criminais. O órgão foi batizado em homenagem ao principal juiz da
Operação Mãos Limpas, que combateu a rede de corrupção entre grupos
mafiosos e políticos italianos nos anos 1990. Ele foi morto em 1992 a
mando da Cosa nostra, a máfia siciliana, ao viajar por uma estrada
forrada com dinamite.
Cidadão brasileiro e italiano, Maierovitch será candidato a deputado na próxima eleição para o Parlamento italiano, em março.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Em 2014, o senhor disse que o PCC estava em um estágio pré-máfia. A situação mudou?
Wálter Maierovitch -
A situação piorou com relação à segurança pública. Naquela época, falei
em pré-máfia porque o PCC e as outras organizações a que se aliou têm o
controle de territórios, principalmente na periferia de São Paulo, e
têm o controle social dos presos nos presídios. Basta atentar para as
rebeliões, quando os presos são usados como massa de manobra.
São dois dados de identificação de organizações criminosas de matriz
mafiosa. O que faltava ao PCC - e ainda falta - é a transnacionalidade.
A situação piorou porque o PCC passou a atuar transfronteiriçamente -
nas fronteiras e do lado de lá das fronteiras no Paraguai e na Bolívia.
Então aumentou sua musculatura.
BBC Brasil - Qual a diferença entre atuar transnacionalmente e transfronteiriçamente?
Maierovitch -
Falta ao PCC investir o dinheiro lavado do crime em outras atividades e
ganhar força econômica, ampliar seu "PIB". A máfia calabresa, por
exemplo, investia na bolsa de Frankfurt. O PCC ainda tem uma atuação
econômica pouco sofisticada e proporcionalmente pequena se comparada ao
peso do narcotráfico na economia da Colômbia ou do Marrocos.
Hoje a criminalidade é mundial, existem redes que colocam drogas e
armas à disposição em qualquer parte do mundo. O PCC não consegue montar
uma rede própria para expandir serviços fora do Brasil e fazer com que
outras organizações se unam a ele. Pelo contrário, ele tende a se plugar
a redes internacionais já existentes.
Maierovitch -
Essa possibilidade existe. Quando o legislador italiano fez um projeto
de lei que se tornou a lei antimáfia, foi colocado um artigo que aumenta
a pena quando o membro da organização criminosa influencia nas
eleições.
Está muito claro que toda organização criminosa de matriz mafiosa pode
ter influência em eleições. Em São Paulo, por exemplo, já tivemos um
tempo em que o PCC ousou lançar um candidato a vereador. Não
prosperaram, pois a candidatura foi impugnada. Agora o que ocorre são
candidatos procurarem o apoio do PCC.
BBC Brasil - Como se dá essa relação?
Maierovitch -
O PCC está muito infiltrado na sociedade. Em São Paulo, há informações
de que ele patrocina festas de igrejas, quermesses. E como toda
organização criminosa de matriz mafiosa, o PCC tem poder intimidatório.
Como ele controla territórios, quando lança um nome ou uma ordem, as
pessoas ficam com medo e obedecem.
A Sicília demonstrou que essa estratégia funciona no período eleitoral.
Durante anos, a Democracia Cristã, o maior partido italiano do
pós-guerra, tinha todos os votos na Sicília quando era liderada pelo
então primeiro-ministro Giulio Andreotti (nos anos 1970 e 1980). Era o
partido majoritário, ligado à máfia. Tanto que Giulio Andreotti foi
condenado por associação à máfia e só não foi preso porque o crime
prescreveu.
Quando a Democracia Cristã foi incapaz de parar o chamado maxiprocesso
conduzido pelo juiz Giovanni Falcone, que fez todos os chefões mafiosos
virarem réus, a máfia rompeu com o partido. A Cosa nostra siciliana
determinou então que se votasse em outro partido.
BBC Brasil - Como os conflitos entre facções nos Estados, que têm se
acirrado nos últimos tempos, podem impactar a disputa eleitoral?
Maierovitch -
Ataques feitos por organizações criminosas a pontos estratégicos no
período eleitoral ou no dia da eleição vão fazer com que as pessoas
tenham medo de votar e não se desloquem.
E mais do que isso, no Brasil, presos provisórios não perdem direitos
políticos, porque não têm condenação definitiva. Como o sistema
prisional brasileiro não faz separação entre presos provisórios e
definitivos, esses presos vão para cadeias dominadas pelo crime
organizado e podem ser facilmente cooptados para votar em candidatos
apoiados pelas facções.
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BBC Brasil - As mudanças nas regras das campanhas, com maiores
restrições a doações, abrem espaço para que facções financiem candidatos
por fora?
Maierovitch -
Quem se aproxima de organizações criminosas normalmente se aproxima
para obter votos, porque elas exercem uma intimidação difusa, controlam
territórios. Mas essas organizações, como mexem com atividades ilícitas
que geram lucro, como o tráfico de drogas, evidentemente podem, sim,
financiar campanhas.
BBC Brasil - Quais os interesses das facções em se infiltrar na política?
Maierovitch -
Elas podem querer expandir, por exemplo, o que já ocorre em São Paulo
com o famoso acordo entre o PCC e o governo do Estado. A polícia não vai
à periferia, onde o PCC atua livre, leve e solto. Há uma lei do
silêncio na periferia de São Paulo. Isso significa o controle do
território, não ser importunado pela polícia, ter facilidade no tráfico
de drogas.
BBC Brasil - As facções já estão presentes na política brasileira?
Maierovitch -
Não sei se já existe uma infiltração de organizações do tipo PCC. O que
existe é a proximidade entre políticos e facções para a obtenção de
votos em período eleitoral. E, na Lava Jato, ficou clara a existência de
empresas fazendo o papel de organizações mafiosas, atuando no sentido
de sugar o Estado.
É uma atuação parasitária. Essas empreiteiras atuaram segundo regras do
crime organizado para obter contratos e superfaturar obras.
BBC Brasil - Qual a capacidade que governos e Judiciário têm em evitar a influência de facções nas eleições?
Maierovitch -
Não estão preparados. Esse fenômeno se expande pelo Brasil cada vez
mais, o que o mostra despreparo do governo federal. O governo federal
deixa a questão para os Estados, como se não se tratasse de um fenômeno
que ataca o Estado Democrático de Direito.
Não é só este governo que não toma providências, os anteriores também. A
atitude de tirar o corpo começa no governo FHC, que não entendeu isso
como uma questão federal - embora se faça presídio federal e tenha se
criado uma Força Nacional de Segurança.
Então existe um grande risco. É uma questão policial. O que a Justiça
pode fazer diante desse quadro? Muito pouco. Ela pode apenas se
apropriar de informações importantes das comarcas, dos juízes
eleitorais.
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BBC Brasil - Por que nunca houve no Brasil uma operação com a dimensão
da Lava Jato, que mobilizasse várias instituições, contra as facções
criminosas?
Maierovitch -
Porque não interessa ao governo federal. Esse combate é muito dfíicil.
Veja as máfias na Itália - Cosa Nostra, Ndranguetta, Camorra. São mais
que centenárias, de difícil combate.
O governo federal não quer se expor, ou se expõe mal. Veja o Rio de
Janeiro. Houve uma época em que o governo federal ameaçou entrar para
resolver a situação, e o então governador Anthony Garotinho queria
comandar o Exército. O governo federal não se impôs.
BBC Brasil - Com a promessa de adotar uma linha dura contra o crime se
for eleito, o deputado federal Jair Bolsonaro tem crescido nas
pesquisas para presidente. Como avalia o fenômeno?
Maierovitch -
Vão sempre aparecer aqueles que se aproveitam da deterioração da
situação. Evidentemente, hoje se fala em anticorrupção e em
endurecimento das leis, porque a população sente a corrupção, viu o que
houve com a Lava Jato, vê um presidente da República sob o odor da
corrupção. É um quadro difícil, em que a população vive um clima de
fla-flu. É o caldo perfeito para surgirem oportunistas como Bolsonaro.
*
Em nota à BBC Brasil, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo
lamentou as declarações de Maierovitch e afirmou que elas "não condizem
com a realidade paulista".
"Não há áreas controladas por criminosos nem local onde as forças de
segurança não entrem." Segundo a pasta, entre janeiro e novembro de
2017, foram apreendidas no Estado mais de 190 toneladas de drogas e 14
mil armas de fogo.
A secretaria afirma que a eficiência no combate ao crime resultou na
queda nas taxas de homicídios em São Paulo, que passaram de 33,3 a cada
100 mil habitantes, em 2001, a 7,56 por 100 mil, em 2017.
O órgão não comentou a declaração de Maierovitch sobre os vínculos entre o PCC e igrejas na periferia de São Paulo.
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