Há 12 anos, o engenheiro turco Orkut Büyükkökten ficou famoso no
Brasil ao emprestar seu nome para o site que popularizou no país o
conceito de mídia social. Agora, ele está de volta com uma nova - e
ambiciosa - empreitada na área: a rede social Hello, que chega ao Brasil
em julho.
A Hello foi apresentada oficialmente na semana passada como uma rede
para fazer e manter "amizades profundas" com outras pessoas com base em
interesses e paixões mútuos e onde o "medo e o ódio não têm vez".
É a forma como o criador do Orkut acredita poder ajudar a resolver
uma questão que vem afastando algumas pessoas desse tipo de serviço.
Ainda que persista a pergunta: há espaço para mais uma rede social entre
os usuários de internet?
"Desde que lançamos o Orkut, as redes sociais evoluíram muito, mas
nem sempre de uma forma boa. Estudos mostram que, hoje, elas deixam
muita gente triste ou ansiosa", opina Büyükkökten em entrevista à BBC
Brasil.
"Uma pessoa usa o Facebook pensando na forma como quer ser percebida
publicamente, interage com os outros tentando passar uma certa imagem,
mas isso não é autêntico nem divertido. Queremos mudar isso e ser a
próxima geração das redes sociais."
O engenheiro dá o exemplo de um casal de amigos que está se
divorciando, mas publicou recentemente um post em que pareciam bastante
felizes em um piquenique no parque.
"Ao mesmo tempo, ver essa 'vida feliz' dos outros nos deixa com medo
de estarmos perdendo algo em nossas próprias vidas. Uma rede social não
pode ter esses efeitos. Ela deveria tirar o melhor das pessoas."
A forma de fazer isso, segundo ele, é gerar conexões entre as
pessoas com base no que elas mais gostam. Seja entre amigos e conhecidos
ou entre quem ainda não se conhece.
Ao criar seu perfil, o usuário responde a um questionário com 60
perguntas para identificar sua personalidade e depois elege os cinco
assuntos que mais lhe interessam.
Há uma lista com cem possibilidades, que vão desde itens
corriqueiros, como ser apaixonado por cães ou esportes, até outros mais
incomuns, como gostar de nudismo, striptease ou "observar pessoas".
Isso determina o tipo de publicações que serão vistas por um membro
da rede social. As características pessoais e interesses podem ser
atualizados ao longo do tempo.
O usuário ainda ganha pontos, chamados "moedas Hello", ao gerar
conteúdo próprio - texto ou fotos - e ao conquistar curtidas e
comentários em seus posts.
Esses pontos podem ser acumulados - ou comprados - para elevar a
categoria ou nível de um perfil, como ocorre com um personagem de
videogame, ampliar o alcance de uma publicação ou ainda postar
anonimamente.
Desde o Orkut, diz Büyükkökten, as redes sociais passaram por muitas
mudanças - e uma das principais é a forma de acesso, que ocorre cada
vez mais exclusivamente pelo celular.
Por isso, em sua segunda incursão neste universo, o engenheiro criou
um serviço que não pode ser acessado por navegadores, mas só por meio
do aplicativo, disponível para iOS e Android.
Concorrência
Ao mesmo tempo, ao longo dos últimos 12 anos, surgiram uma série de novas redes sociais. Haveria espaço para mais uma?
"Realmente, há uma fadiga quanto às redes sociais. As pessoas se
inscrevem em diferentes serviços por diferentes motivos, e estar em
tantas delas ao mesmo tempo gera um cansaço", afirma o engenheiro.
"Não esperamos que as pessoas parem de usar as outras, mas que usem o
nosso serviço cada vez mais, porque, ao atualizar suas características
pessoais ao longo do tempo, isso mudará sua experiência individual, e a
rede social vai evoluir com você. Não será preciso substituir um serviço
por outro conforme seu estilo de vida muda."
Raquel Recuero, pesquisadora em mídia social e professora da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Católica de
Pelotas, acredita que pode haver espaço para a Hello.
"Hoje, existe um certo ranço do Facebook, que se universalizou
demais. Há gerações mais novas que usam cada vez menos", afirma a
pesquisadora. "Ao mesmo tempo, nos últimos tempos, alguns malefícios
ficaram mais aparentes no Brasil, como pessoas que se expuseram demais
ou brigaram com a família ou amigos (por conta de postagens)."
Recuero considera "interessante" a proposta da Hello e vê nela um
resgate de algumas características da primeira rede social lançada por
seu criador.
"As comunidades do Orkut já eram lugares para achar pessoas com
interesses em comum, mas depois seu uso foi sendo modificado pelo
usuário para mostrar características pessoais suas. Também havia um
aspecto de game ao poder avaliar os outros com corações para dizer se a
pessoa era sexy ou com gelinhos para dizer se ela era 'cool'", diz
Recuero.
"Pode ser uma volta à ideia original, só que melhorada. Mas, no
fundo, atende uma característica fundamental do ser humano, porque
adoramos encontrar pessoas que gostam do que também gostamos."
No entanto, outras redes sociais onde usuários podiam fazer
publicações sem revelar sua identidade fracassaram diante da chuva de
críticas e reclamações sobre comentários ofensivos.
Recuero concorda que o anonimato pode ser um incentivo à publicação
de discursos de ódio e à propagação de diversos tipos de preconceito.
"É um recurso para uma pessoa se esconder ao expressar opiniões
radicais, e isso pode ser perigoso, mas tudo depende da forma como esse
recurso será usado", diz Raquel Recuero, pesquisadora e professora do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Büyükkökten diz não estar preocupado com isso. "Sem ter uma opção
para expressar uma opinião impopular sem medo de represália, os usuários
acabam criando outras contas com identidades falsas que entopem o
sistema", afirma.
"Se posts anônimos tiverem agressões ou mensagens de ódio, a
comunidade pode denunciá-lo para impedir que se propague. Isso reduz a
reputação de quem publica e afeta como o conteúdo postado por essa
pessoa será distribuído no futuro."
Brasileiros e redes sociais
A nova rede social já está disponível em cinco países de língua
inglesa - Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Irlanda e
Reino Unido.
Em breve, estará disponível em outros países (e idiomas), como
França, Alemanha, México e também no Brasil, onde será lançado no
próximo mês, segundo seu criador, e não em agosto, como indicado no site
da rede social.
"Isso exige um esforço muito grande, porque existem centenas de
milhares de verbos e expressões em cada língua, e queremos garantir que
temos a melhor tradução possível."
Büyükkökten diz ter ficado "honrado" com a repercussão entre os
brasileiros do lançamento de sua nova rede social nos país, que consta
com frequência nas listas dos que mais usam redes sociais no mundo.
"A cultura brasileira é por si própria muito social , então, acho
que é por causa disso que há uma alta adoção desse tipo de site pelos
brasileiros. Não vamos decepcionar vocês."
Orkut Büyükkökten deixou o Google em
2014 para criar sua nova rede social, a Hello
Fonte: G1/Foto: BBC